a linha é tão fácil de arranjar,
venha aqui venha escolher
papagaio de toda cor...
O ato de brincar faz parte da natureza animal. Somos (homens, mulheres, borboletas, cavalos, andorinhas, cães e gatos) componentes de um reino de natureza animada, qualidade que nos distingue de vegetais e minerais. Os vegetais têm um ciclo de existência parecido com o nosso (nascem, crescem e morrem), mas não produzem movimentos espontâneos e/ou inteligentes nem apresentam indícios de que possuam sentidos capazes de estabelecer com o meio circundante diálogos que expressem tristeza, dor, prazer ou alegria. Todos os outros elementos existentes na grande aldeia são minerais: seres inertes em mórbido estado de espera do inexorável encontro, com aqueles que um dia tiveram vida: As árvores, os passarinhos, os comerciantes e nós.
Desta forma, podemos tomar o movimento (animação) como a principal característica do reino ao qual pertencemos e consequentemente das espécies às quais estamos biologicamente ligados (as) por semelhança física, orgânica e reprodutiva. No entanto, cessam, com o sopro da vida, as visíveis e científicas aproximações entre humanos e o conjunto totalizante dos seres irracionais. Isto porque, homens e mulheres são animados (as) e intelectuais; brincam, pensam e trabalham. E quando trabalhamos empreendemos um tipo de ação que nos transforma em seres singulares, únicos habilitados pela natureza à produção cultural.
No princípio era o movimento...
...depois vieram, além dos dias e das noites e não exatamente nesta ordem, o amor, a comida, o brinquedo e o trabalho. Somos brincantes e trabalhadores permanentemente desconfiados da veracidade da afirmação bíblica de que a luta pela sobrevivência é uma criação divina à guisa de castigo pelo ato sexual não consentido e simbolicamente representado pela célebre história da comida indevida da maçã.
Exageros, pilhérias e falhas à parte, o que está implícito nessa passagem cristã, é a natural vocação de homens e mulheres para o prazer, o fazer e o brincar. Este fato nos leva a crer que o simbolismo da ordem de expulsão de Adão e Eva do paraíso, pudesse ser resumido na seguinte frase: Ide! Amai, fazei e brincai!
Esta é a trinca verbal que nos unifica e ao mesmo tempo faz com que desconfiemos das pessoas que não amam, não brincam e não trabalham. A ausência de desejo para a consecução dessas três ações é objeto de inúmeros ensaios psicanalíticos e causa em nós, estranhamento diante dos anômalos (quase mortos) que consideramos passíveis de tratamento e, de certa forma, perigosos para a vida em grupo.
Bom sujeito não é
É ruim da cabeça
Ou doente do pé
Estudos biológicos e psicanalíticos recentes, sobre o comportamento humano, indicam que a necessidade de procriar, brincar e produzir, síntese das ações expressas no período anterior, vem impressa em nosso mapa genético da mesma forma que os pássaros trazem no organismo a forma de seus ninhos. Ao DNA do João-de-Barro, por exemplo, já vem acoplada a receita para a construção de sua casa e a lista dos materiais que ele terá de transportar para o espaço que servirá tanto para o início da vida de seus filhos, quanto para o aprisionamento involuntário, que, quase sempre, leva à morte a sua inestimável companheira. Já em nossa escada helicoidal, além de milhões e milhões de outras coisas, está escrito em letras garrafais: A ordem é brincar!
Tais constatações nos levam à crença de que o diferencial maior somente torna-se visível quando nos capacitamos, entre brincadeiras e ofícios, para o empreendimento de melhorias no espaço vital (o habitat). Esses acontecimentos devem-se em grande parte à generosidade da natureza, principal responsável pelo sucesso de nosso mais belo salto ao patamar em que hoje nos encontramos: Societariamente organizados para o consumo e para o prazer que advém da produção material (trabalho) e da fantasia (jogo e brinquedo) que garantem a saúde física e social das coletividades.
Dia de festa no Boi Brilho de Lucas
Por tais razões, e por várias outras não tratadas neste trabalho, se mantêm atuais as considerações de Freire sobre o afeto, de Bakhtin sobre a natureza da festa e de Vygotsky sobre a relevância do jogo da fantasia; como instrumentos propiciadores da felicidade coletiva. Ao incorporarmos, à nossa visão pedagógica, a premissa de que a saúde da mente implica em saúde do corpo, é nosso dever, na qualidade de educadores, contribuir para que os espaços ampliadores dos saberes também se empenhem na construção de formas mais prazerosas de construção do conhecimento que se apresentam, tanto nos exercícios primários que advém de nosso espírito lúdico quanto nas variadas formas de trabalho que se distanciam da tortura, curam, emancipam e libertam.