sexta-feira, 25 de junho de 2010

OBRIGATORIEDADE DO ENSINO E FRACASSO ESCOLAR





Uma das mais interessantes fábulas que li em meus tempos de menino versava sobre a velha luta entre o bem e o mal, representados, naquele texto, por Deus e o Diabo. Contava a pequena história que Deus caminhava por uma longa estrada cheia de poças d’água quando ouviu gritos de socorro. Era o Diabo que pedia para que alguém o tirasse do imenso buraco em que se encontrava com água até o pescoço.



Deus, olhando para aquela coisa doida, suja e esfarrapada, perguntou-lhe: Você acha mesmo que merece ser salvo? No que o Diabo respondeu perguntando: Merecer eu não mereço. Mas você já pensou como vai ficar a sua vida após a minha morte? E continuou: As pessoas vivem atrás de você porque têm medo mim. Eu morrendo, qual será o seu trabalho? De que viverás?
Deus pensou um pouco, retrucou, ponderou, mas preferiu não sustentar o infame diálogo. Em seguida, deu as mãos ao seu mais temido opositor que, às gargalhadas, desapareceu envolto em uma nuvem de deboches.



Essa história que nada tem de original (existe pelo menos mais uma dúzia com o mesmo sentido) serve para ilustrar inúmeras situações da vida pública brasileira onde o mal prevalece para garantir a sobrevivência de determinados coletivos corporativos que se locupletam nas dores de outrem. A fome, a seca, o voto obrigatório, a pobreza, o analfabetismo, o abandono da escola pública, a perene crise da saúde, etc.



Os surripiadores da pátria aprendem pelas escolas da tirania que algumas coisas devem ser mantidas como estão no sentido de garantir os bons salários dos mais espertos. Vejam como sempre por trás de um orfanato de miseráveis tem sempre uma senhora de cabelos azuis montada em uma caminhonete de luxo. Vejam como chegam às empobrecidas comunidades os bem nutridos e paparicados coordenadores de projetos assistencialistas bancados com o dinheiro público. Vejam como se proliferam as organizações não governamentais que se propõem a cuidar do destino dos miseráveis, agora utilizadas pelo Estado como laranjas para a distribuição de verbas que poderiam ser entregues diretamente àqueles que precisam. E se de repente toda essa miséria acabasse, de que viveria essa legião de aproveitadores da desgraça alheia? Construiu-se no imaginário da sociedade a necessidade de que, para o nosso bem, devemos aprender a conviver, entre deuses e demônios, com o bem e com o mal.



Fazendo parte do conjunto das diabruras terrenas, estão as obrigatoriedades que nasceram tendo como justificativa a incapacidade do povo para escolher o que de melhor existe para si próprio. Nesse aspecto, as mais visíveis e que ficaram como herança de várias ditaduras são o voto obrigatório, o serviço militar e a obrigatoriedade do ensino. O primeiro baseado no medo que as classes dominantes têm de que ninguém vá indicá-los para ocupar os postos destinados aos melhores aquinhoados; o segundo visando à garantia da soberania nacional e a última justificada pela incapacidade dos pobres em discernir sobre o que é melhor (ou pior) para as suas proles. Três grandes equívocos. Quantos pais tirariam seus filhos da escola se ela não fosse obrigatória? Quantos deixariam de ir votar se o voto não fosse obrigatório? Quantos deixariam de servir à pátria? Não temos respostas para essas perguntas, mas creio que já estamos suficientes maduros na democracia para este tipo de reavaliação. Ingenuamente, pensamos que, à medida que o tempo passa, aprenderemos a não votar em políticos da estirpe de José Sarney. Outro engano, a maioria dos que votam em José Sarney o faz porque se parece muito com ele, inclusive nas atitudes.



Falo sobre todas essas coisas da vida pública para dizer que sou contra as obrigatoriedades para aqueles que demonstram ter adquirido capacidade de escolha. Sermos obrigados a fazer o que não gostamos, talvez seja a maior contradição da democracia. Todos sabem da confusão que deu no Rio de Janeiro do início do século XX quando o governo mandou vacinar a todos, levando para a cadeia os medrosos e inconformados com as agulhadas nas nádegas. Este episódio ficou conhecido como a revolta da vacina e talvez seja o mais pitoresco e conhecido ato governamental sobre o corpo alheio. No entanto, ainda consumimos o nosso tempo fazendo coisas que a nós não interessa, apenas para satisfazer aos caprichos de um estado que deseja ser democrático, mas ainda age de forma bastante autoritária. Uma parte manifestada na figura compulsória dos tributos, outra, segundo os ditames da lei, para zelar pelo nosso bem estar social.
Somos obrigados a prestar serviço militar, somos obrigados a ir para a escola em certa idade de nossas vidas, somos obrigados a lutar em guerras por causas que a nós não dizem nenhum respeito, somos obrigados a respeitar os símbolos da pátria mesmo quando esses símbolos estão manchados com o sangue de nossos irmãos, somos obrigados a votar, mesmo quando os candidatos têm as mãos mais sujas do que limpas, etc.



A obrigatoriedade do ensino nas leis brasileiras é muito recente e foi estatuída por consenso parlamentar visando à proteção da infância, certos estavam os legisladores da incapacidade de seus pais em cuidar de tão nobre missão. Por isso, o governo além de construir as escolas e organizar os sistemas, deveria obrigar os pais a levarem os seus filhos até ela.
Com o tempo, no sentido de amenizar as dores da obrigação, apareceriam compensações para aqueles que se comportassem bem. Hoje, na entrada do século XX, são tantas as benesses escravagistas às quais se submetem pais e alunos que a eles não restam alternativas, senão suportar as ladainhas pedagógicas justificadoras das migalhas dadas pelo estado visando à sobrevivência dos filhos do proletariado.



Pensavam os que defendem o paternalismo estatal, que esta forma de compensação pudesse aplacar a ira dos revoltados, mas não é isto que vem acontecendo. Cresce nas grandes cidades o desperdício com investimentos em crianças, adolescentes, jovens e adultos que não enxergam vantagem alguma em estar ouvindo as histórias contadas pelos seus mestres. Nas crianças e nos adolescentes pelo fato de pais, mães e tutores terem imensa dificuldade de perguntarem a seus filhos se querem estudar, trabalhar ou não fazer nada. Nos jovens e nos adultos, pelas pressões do mercado de trabalho a lhes exigir pelo menos aquilo que começamos a chamar de diploma social elementar. Criou-se, para este segmento etário, uma estreita ligação entre escolaridade e trabalho legalizado.



Essa decisão não é muito fácil, porque assim nos acostumamos. Deixar a escola por um tempo é muito doloroso. Eu passei por essa experiência com um nó na garganta. Meu filho mais novo, lá pelos seus 13, 14 anos via a escola como um pesado fardo a carregar. Quando veio a primeira reprovação eu perguntei-lhe se queria dar uma parada e ele disse que não, mas resolveu se matricular em uma escola que lhe cobrasse um pouco menos que a sisuda escola confessional. Nesse ínterim, aprendeu música e se apaixonou pela geografia, as duas paixões de sua vida de agora.



Estou contando essa secreta história familiar para que não digam que a minha proposição pode atrapalhar a vida dos mais pobres. Algo semelhante aconteceu com o casal Eduardo e Martha Suplicy. João Supla, o filho cantor, muito cedo disse aos pais que não gostava muito dessa vida de doutores, de parlamentos e academias. Nem por isso ouvimos queixas de sua família tangentes à felicidade de seu roqueiro. Ao contrário, o que vemos de vez em quando é o pai, velho e bom Senador, sorridente em seus shows, orgulhoso e certo de que, ter deixado a critério do filho a escolha de seu próprio caminho, foi a melhor opção.



Também sei que o fato de vários países do primeiro mundo sustentarem a tese da obrigatoriedade do ensino nos intimida a caminhar em sentido contrário. Ainda assim, creio que devêssemos experimentar. Primeiro com aqueles que estão em permanente conflito com as instituições, dando-lhes a oportunidade do aprendizado profissional ou de outra realização que temporariamente possa lhes fazer mais feliz. Cabe à escola manter as portas abertas para o acolhimento do filho pródigo, mas a decisão de entrada ou reentrada dos alunos deveria ser facultativa a partir de uma determinada idade e que a meu ver poderia ter como base a maturidade biológica. Isto implicaria em uma reorganização das fases do ensino fundamental, a primeira terminando por volta dos 12 ou 13 anos de idade.



A esta altura o leitor já deve estar se perguntando: Mas onde está a relação entre Deus, o Diabo, a obrigatoriedade do ensino e fracasso escolar? Ora, se considerarmos que à escola deixarão de ir aqueles que para ela vão empurrados, abrir-se-á espaços para os 5% que ainda estão de fora querendo entrar e, em tese, reduzir-se-ão, os índices de reprovação e de distorção série/idade, já que os que para ela forem, por livre e espontânea vontade, deverão apresentar melhores rendimentos do que os que lá estivessem pelas pressões dos pais e das políticas assistencialistas. É bem verdade que as razões do fracasso não estão somente na obrigatoriedade, mas uma escola organizada para os que sentem prazer em estar nela (alunos, pais e professores) fere de morte o decantado fracasso escolar.



Neste ponto surge uma nova pergunta: Mas por que o governo não experimenta? Pelas mesmas razões que reluta em experimentar o voto facultativo. O fim do fracasso escolar desemprega muita gente que vive das mazelas originadas no próprio fracasso. É como o médico que cuida de doentes crônicos e teme que a cura de alguns comprometa o pagamento de suas despesas mensais. O que para uns é desgraça para outros é salário. O problema é que na educação tudo isso ocorre a um custo social muito alto.



Fechamos o século XX esperançosos de que a educação brasileira pudesse caminhar a passos largos para a qualidade almejada, mas ainda temos muito a fazer. De qualquer formar seria interessante que a essa discussão fosse incorporada também a questão da terminalidade dos estudos de nível fundamental. A lei que trata de seu início também deveria dizer, respeitando-se as naturezas e individualidades, quando eles terminam. Criou-se com o protecionismo exagerado uma confraria de alunos veteranos pelas escolas diurnas de ensino fundamental cujos desejos distanciam-se muito dos propósitos.



Para os envelhecidos, a escola transformou-se em um espaço de socialização e encontros possíveis protegidos pela mão do poder público. Nada existe para ser ensinado em uma escola de ensino fundamental que precise de mais de 10 anos para ser aprendido. Para que sejamos mais claros nem os portadores de distúrbios da aprendizagem precisam de tanto tempo nesse tipo de escola, já que, também no caso desse coletivo, o desenvolvimento é medido em função do que cada um pode aprender. Não vejo problema algum, por exemplo, no fato de os portadores de deficiência auditiva frequentarem a mesma escola dos alunos ouvintes, mas o excesso de tempo que normalmente a escola concede para a conclusão dos estudos, ao invés de ajudar, imbeciliza o indivíduo pela repetição exagerada dos conteúdos, mesmo para aqueles que não ouvem ou enxergam.



Obrigatoriedade do ensino, terminalidade dos estudos e fracasso escolar fazem parte de um conjunto de fatores melindrosos. Mexer com eles, em um país onde grande parte da população vive de trocas nem sempre lícitas de favores, é sempre algo muito difícil. Como na lenda, onde a salvação do Diabo traz sérios problemas para o marketing de Deus, a redução do contingente de alunos de uma hora para outra preocupa e muito àqueles que sempre viveram da perene busca de salvação para os que nunca verdadeiramente precisaram dela.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O PAPEL DA ESCOLA SEM PAPEL





Passados 30 anos, desde o dia em que pus os pés em minha primeira escola pública, na condição de professor, a força das reminiscências, volta e meia, empurra-me para o registro de fatos e rotinas que não sofreram modificações substanciais capazes de contribuir para a decantada melhoria exigida pelas populações mais empobrecidas desse País. E não estamos falando de novas reivindicações. A maioria delas já constava das pautas dos Pioneiros da Educação desde a primeira metade do século XX. É evidente que, por conta dos avanços da ciência e da tecnologia, aos conteúdos foram agregados novos valores, mas, em essência, tratamos, ainda hoje, dos mesmos objetos de desejo pedagógicos que estavam na ordem do dia dos Pioneiros.





Dentre todos os pontos, um deles, há anos fazendo vítimas e deprimindo egos (e não se trata de simples exercício de retórica) chama atenção pela forma como vai se repetindo de escola em escola, por cada canto desse País, fazendo com que a qualidade de seu erro, ao invés de encontrar opositores, vá arrebanhando defensores ferrenhos para uma causa que, segundo os preceitos da boa higiene, não teria a minha chance de conquistar adeptos entre uma categoria de profissionais, majoritariamente feminina: A falta de papel higiênico nos banheiros das escolas públicas de ensino fundamental e médio.





O que a mim causa perplexidade, é o fato de que sempre que o assunto vem à tona, aparece um tímido defensor ou uma tímida defensora do gesto atroz, e as coisas vão ficando como sempre estiveram. O argumento mais simples (do Rio de Janeiro, capital cultural do País, ao município de Viana no Maranhão) é sempre o mesmo: Não colocamos papel higiênico nos banheiros porque meninos e meninas entopem o vaso sanitário! Cabe ainda ressaltar que em algumas escolas da nação que se engalfinha pelos milhões do pré-sal, ainda tem muito banheiro sem essa coisa surreal chamada vaso sanitário. E para aqueles que vivem a se espantar com os exageros da desgraça, a Rede Globo de televisão está cansada de mostrar escolas sem tetos e paredes. Ora, se o que restou como proteção para as crianças foi uma placa com o nome dos familiares do Prefeito ou do Governador, aonde é que elas fazem as suas necessidades fisiológicas?





A desculpa em itálico agrega todas as outras falas vis justificando o ato que deseduca e contraria os princípios da boa pedagogia que vê a escola como um espaço educativo globalizante. Ao confinar os objetos que causam incômodos aos funcionários, a escola perde a oportunidade de ensinar àqueles que não tiveram oportunidade de aprender, em seus lares, os hábitos básicos de higiene. E se não conseguimos fazer com que meninos e meninas desenvolvam esta forma de consciência, para que uma grade enriquecida de conteúdos científicos? Para que aqueles monstruosos livros que tratam de temas como reprodução humana e aparelhos excretores, se a escola não é capaz de dizer para o menino ou a menina que o rolo de papel higiênico não foi feito para ser jogado dentro do vaso sanitário?





Não estou fazendo aqui uma defesa simplória de que o papel da escola seja o de também tomar para si as responsabilidades que cabem aos pais, mas ela também não pode confinar o papel que dá, principalmente, às meninas tranqüilidade e evita o desconforto de ir à secretaria pedir a uma pessoa (que para piorar, pode ser do sexo masculino) um pedaço de papel para sua higiene mais íntima. Cada um de nós sabe o quão vexatório é este gesto. Eu, particularmente, nunca me submeti à infame prática. Nas horas de intensa necessidade quem sofria era o caderno. Quantas folhas foram utilizadas para a higiene compulsória?





Algumas crianças se valem de outros expedientes, mas o mais comum é o condicionamento do intestino para que ele só se manifeste nos horários em que o indivíduo possa estar em casa. No entanto, resta um problema: como os sensores neuro-fisiológicos não conseguem distinguir a escola de outros prédios, de outros lugares, cresce a legião de entes-vasófobos, seres portadores de uma nova doença psíquica que ataca àqueles que têm medo dos vasos sanitários não pertencentes à sua própria casa. Não usem esse termo horrível porque ele não existe. Criei porque não sei ainda como denominar as pessoas que guardam, por até cinco dias, os excrementos em suas barrigas endurecidas.





Os blogs médicos que cuidam do assunto referem-se à doença como um hábito compulsivo causado por algum tipo de repulsa a ambientes muito sujos. Para atenuar o problema, os responsáveis pela maioria dos sanitários públicos americanos eliminaram as cestas de papel que ficavam ao lado dos vasos sanitários. Mas o problema não é da cesta. Ele foi gestado em idade mais tenra, possivelmente lá pelos idos da pré-escola.





Também não quero cometer exageros achando que tudo é culpa do papel higiênico, mas uma boa parte das pessoas que adquiriu essa péssima mania foi aluno ou aluna da escola pública. Meninas e meninos, há anos recebendo conselhos de seus indefesos pais para que não usem o banheiro morfético e repugnante da escola de ensino fundamental, vão aprendendo, também, a não ir ao banheiro das casas dos amigos, da igreja, das pousadas, dos hotéis.





Sabemos que existem outras causas para o medo dos vasos dos hotéis (neste caso o número de estrelas não tem a mínima importância), mas devemos considerar que a falta do papel higiênico para as crianças em plena formação da personalidade deixa a sua parcela de contribuição. É grande o número de pessoas que não usa vasos sanitários estranhos e a comunidade vasófoba não para de crescer. O ato repulsivo, que de início era uma simples postergação do momento em que a pessoa deveria evacuar, vai se tornando habitual e gradativamente assumindo ares de doença, agora com uma infinidade de nomes, causas e formas de tratamento.





Essas considerações servem também para alertar as escolas sobre a necessidade de manter um estoque razoável de absorventes íntimos. A mulher foi buscar, na última metade do século XX, o que lhe foi negado na primeira. Em várias instituições de ensino o número de mulheres já é maior do que o de homens. Assim sendo, devemos considerar também que aumentou sensivelmente a probabilidade de que várias primeiras menstruações aconteçam dentro da escola que deve acolher a nossa nova mulher com todo o aconchego das menarcas tribais quando do sublime e indescritível milagre do aparecimento de uma nova produtora de criaturas. Ademais, não fica muito bem para a escola deixar que a menina vá declinar o seu desapontamento no portão da instituição e pedir o seu absorvente primeiro ao pipoqueiro que, cotidianamente, ocupa um pedaço da calçada externa, bem em frente ao portão principal (delírios). Em casos de falta de afeto, dê lírios.





Para além das questões factuais, poderíamos elencar uma série de procedimentos capazes de solucionar o problema, mas os mais eficazes ainda são as perenes formas de conscientização. No entanto, em vários projetos de escola, precisamos de soluções mais duras. Chegamos, em uma deles, a criar um plantão de banheiro e a organizar uma escala semanal de lavagem dos sanitários, pelos alunos, com a anuência dos pais. O que não podemos é retirar os rolos de papel sanitário como uma represália ao proposital ato do entupimento. Isto dá ao incauto (a) o prazer que ele (a) precisava para seguir cometendo atos de vandalismo na solidão das casinhas sanitárias. Para as meninas, somente o ato de dar a elas a oportunidade de decorar o seu próprio banheiro com flores, sabonetes, toalheiros e espelhos, faz com se sintam mais responsáveis pela manutenção dos novos objetos. Da mesma forma a ampliação do número de mictórios, a instalação de chuveiros e de vasos sanitários, e a colocação de novos espelhos, podem funcionar como uma premiação pelo bom comportamento e pelo zelo com os materiais de higiene postos à disposição de todos.





Mais uma vez é preciso considerar que o meu costume de escrever sempre sobre os problemas da escola pública deve-se à facilidade de dissertar sobre algo que a mim é muito pautável. Sempre fui professor de escola pública de ensino fundamental e médio. Nem a curta carreira universitária afastou-me da meninada que, ainda em minha adolescência, escolhi para ensinar e que ainda hoje funciona como principal fonte de inspiração das coisas que ao longo desses trinta anos venho escrevendo. Já a escola particular, pode até cometer falhas como as inúmeras citadas neste artigo, mas as cobranças dos pais pelo zelo com os seus rebentos, por óbvias razões, é um pouco maior: Estou pagando para que o meu filho seja bem tratado!





O que está implícito nesta forma equivocada de educar é a procura por caminhos menos tortuosos. É muito mais simples desaparecer com os objetos que dão trabalho ao corpo profissional da escola. Suprimem-se as laranjas porque as crianças jogam as cascas umas nas outras. Suprimem-se as tintas pela lambança que fazem sobre as mesas. Suprimem-se os instrumentos musicais porque eles são barulhentos demais. Suprimem-se os brinquedos porque, com eles à vista, os alunos não pensam em outra coisa. Mais recentemente começaram a colocar cadeados nos balanços dos playgrounds infantis e a deitar nos armários com chaves as cordas para pular que a molecada usa para queimar as energias consumidas na hora do recreio.





A pedagogia do confinamento é, em última instância, um ato diretivo, mas está longe de poder ser atribuído somente às direções escolares. Trata-se da prática que emerge de uma visão coletiva e que, na maioria das vezes, acontece com a concordância dos próprios pais. Algumas formas causam menos estragos; outras, como a retirada do papel higiênico do alcance das crianças, seguem produzindo danos irreversíveis aos corpos físicos e psíquicos da criançada que ocupa os bancos da escola pública brasileira. Esta não é uma questão de fácil solução, mas ainda há tempo para mudar.

domingo, 21 de março de 2010

EURECA, EUREKA, HEURECA!




Sócrates






AS CONTRIBUIÇÕES DA HEURÍSTICA

...Em primeiro lugar, estou convencido de que a terra, sendo redonda e estando colocada no centro da abóbada celeste, não precisa nem do ar nem de qualquer outra matéria para não cair. Ao contrário a uniformidade existente em cada parte do céu, dum lado, e, de outro o próprio equilíbrio da terra são suficientes para sustentá-la...

Sócrates falando a Símias (Fédon – Platão).





Um dos mais interessantes escritos de Platão, Fédon, relata a singeleza dos diálogos entre Sócrates e seus discípulos. O trecho em epígrafe, retirado de uma dessas passagens, serve para sepultar a prepotência daqueles que se julgam donos do conhecimento. Nesses diálogos, estão listadas inúmeras proposições construídas pela intuição humana ainda nos primórdios da filosofia.

Como acabamos de ver, a confirmação da esfericidade da terra por Galileu no século XVI, já era apontada pela filosofia e pelos postulados científicos que lentamente se construíam, pelo menos, desde o século quinto antes de Cristo. Sem nenhum demérito para o feito do cientista que quase perde a vida na fogueira, antes deles inúmeras pessoas já desconfiavam da tese sustentada pela igreja de que a terra era plana e estava posta no centro do universo.

No mesmo trecho desses diálogos, Símias ouve de Sócrates a sua justificativa para o que mais adiante viria a ser chamada de força da gravidade; Em segundo lugar – disse Sócrates – me convenci de que a terra é muito grande e que moramos numa pequena parte dela (uma parte plana em torno dos mares) assim como formigas e rãs que vivem em torno dum paul. Mais adiante o mestre conclui: Nós moramos em cavidades. Esta justificativa talvez tenha sido elaborada para, antecipadamente, responder à pergunta que chegou até os nossos dias gerando a mesma desconfiança: Mas, se a terra é redonda, por que é que a gente não cai?

Tais argumentações, muito parecidas com as que ouvimos das crianças nos dias atuais, fizeram com que homens e mulheres chegassem ao atual estágio de conhecimento, colocando a dificuldade de suas realizações no limite do pensamento. Há mais de cinqüenta anos, quando começaram a surgir, para espanto dos leigos, os primeiros circuitos integrados, a eletrônica e a cibernética estavam dizendo que tudo que o homem pensasse poderia ser colocado dentro de um chip conversador.

Hoje, próximos da virada da primeira década do novo milênio, a nanociência nos afronta e nos coloca em constantes sobressaltos porque já não conseguimos sequer imaginar onde tudo isso vai parar. Os espaços físicos virtualmente navegáveis, à medida que vemos potencializada a sua capacidade de operação, ficam cada vez mais diminutos. Da mesma forma, encurtam-se as distâncias reais de tal modo que, sem exagero algum, já podemos pensar no dia em que o tempo das viagens será reduzido a números muito próximos daquilo que chamamos de instante. Em um instante estaremos de volta!

Uma parte desse assombroso nível de conhecimento deve-se ao pensamento heurístico moldado na seiva da curiosidade e de certa forma impulsionado pela ficção, companheira inseparável das almas arquimedianas que se recusam a admitir a derrota diante dos enigmas que homem e natureza foram construindo ao longo dos tempos (ora para o nosso deleite, ora para a nossa desgraça). E foram tantas perguntas e foram tantas respostas, que aprendemos a lidar com a surpresa e a estudar cada problema como se, para sua solução, não existissem modelos.

Arquimedes
Quando éramos meninos e meninas, nos anos 1960, sequer poderíamos imaginar que metade da fantasia projetada pelas mentes e mãos produtoras de inúmeros desenhistas chegaria tão rapidamente às mãos da criançada que nasceu com o novo milênio. Estamos mais para Flash Gordon do que para Luluzinha ouvindo o sábio grego dizer eureka, eureka; para uma platéia consumista e cada vez mais ávida por desfrutar das novas invenções.


Neste artigo, colocamos à disposição dos leitores alguns problemas cuja solução, quase sempre, independe das fórmulas tradicionais para que os mesmos sejam resolvidos. Neste sentido, o melhor caminho é prestar atenção no enunciado. São problemas que foram construídos, em grande parte, pela imaginação popular. Referem-se ao conhecimento heurístico do número, por isso nem sempre suas respostas podem ser encontradas na lógica das convenções que respalda as operações formais.

Somente para lembrar, o vocábulo heurística tem a mesma origem etimológica de (h)eureka, a célebre palavra grega esbravejada por Arquimedes ao descobrir a solução para o problema do roubo de ouro da coroa do rei. Heurística é a arte do descobrimento, cujo termo foi popularizado pelo matemático húngaro George Pólya (1887-1985) em sua obra How to solve it. Pólya escreveu esse livro para expor sua metodologia de facilitação na resolução de problemas. Além da paixão pela matemática Pólya tinha interesses em assuntos relacionados com psicologia da indução e ciências da natureza.




Pólya


O importante, e foi por isto que os pusemos aqui, é o fato de que o esforço que a mente faz para solucionar esse tipo de questão acaba tendo o mesmo efeito dos esforços empreendidos na solução dos problemas alicerçados na lógica formal e nas fórmulas clássicas que facilitam o seu equacionamento. Para nós, é fundamental que a criança mantenha a mente acesa preparando-se para as ultrapassagens que garantem à sobrevivência da curiosidade. Trata-se, portanto, de uma seção repleta de proposições interessantes, apesar dos formatos convencionais (da matemática) que regem a sua apresentação.


SOBRE 10 PRIMEIRAS QUESTÕES
O material utilizado neste pequeno banco de questões foi, em quase sua totalidade, coletado em provas, sites, olimpíadas e livros de matemática. Alguns muito antigos outros de produção mais recente. Resolvemos não citar a fonte pelo fato de as matrizes desses problemas não apresentarem indícios de criação individual. A maioria foi sendo adaptada pelos professores em função das necessidades de cada um.

Foram poucas as questões que não encontramos em mais de uma obra, com o mesmo enunciado ou com pequenas modificações em função da região em que elas foram produzidas. Quase sempre o que muda são os nomes dos atores. Somente para exemplificar, o interessante problema da lesma que sobe as paredes do poço, foi encontrado em pelo menos 10 livros, alguns mudando apenas o nome do bicho.

Portanto, ficou para nós foi a impressão de que seja muito antiga a gênese desses problemas. Este fato nos fez optar por não citar a fonte, nem a autoria. De qualquer forma, mais uma vez agradecemos aos colaboradores a possibilidade de acesso aos temas propostos com o objetivo de aguçar a imaginação da meninada. Nada mais fiel para representar a natureza do conhecimento heurístico matemático, sobre o qual procuramos discorrer neste capítulo. Vamos aos trabalhos.


1. Amarildo vendeu duas televisões por R$1000 reais cada uma. Na primeira venda ele teve prejuízo de 30% na segunda teve um lucro de 30%. Você acha que ele teve lucro ou prejuízo?

2. Se fossem duas horas mais tarde, faltaria para a meia-noite a metade do que faltaria se fosse uma hora mais tarde. Que horas são?

3. Alguns meses do ano têm 31 dias. Quantos meses têm 28?

4. Quantos noves existem entre 0 e 100?

5. Um garrafão contém um casal de insetos. Esses insetos reproduzem-se e o seu número dobra todos os dias. Em 50 dias o garrafão está cheio. Em que dia o garrafão esteve pela metade?

6. Que altura tem Isabel que é 2m menor que uma árvore de altura igual ao triplo da altura dessa criança?

7. Temos 4 correntes de 3 elos cada uma. Queremos unir as quatro para formar uma corrente fechada. Para abrir um elo pagamos 30 reais e para fechar 40. Quanto custará essa operação?

8. Uma lesma deve subir em um poste de 20m de altura. Durante o dia sobe 4m e de noite desce 2m. Em quantos dias atingirá o topo do poste?

9. Um homem foi de Lisboa a Belém e levava dinheiro, não sabemos quanto. Na venda de Santos dobrou o dinheiro que levava e gastou 10. Em Alcântara dobrou o dinheiro que sobrou de Santos e gastou 10. Em Belém dobrou o dinheiro que sobrou de Alcântara e gastou 12. Neste local sobravam-lhe apenas 3. Quanto dinheiro levava este homem quando saiu a caminhar?


10. Um senhor de idade, perto da morte, escreveu o seguinte testamento: deixo 1/3 da minha fortuna para minha filha única e o restante para a criança que ela está esperando, se for homem. Deixo ½ da minha fortuna para minha filha única e o restante para a criança que ela está esperando se for mulher. Após a sua morte nascem gêmeos: um casal. Como deve ser dividida a fortuna?

domingo, 28 de fevereiro de 2010

PORQUE BRINCAMOS TANTO

Não fique triste menino,
a linha é tão fácil de arranjar,
venha aqui venha escolher
papagaio de toda cor...


Fernando Brant e Milton Nascimento


O ato de brincar faz parte da natureza animal. Somos (homens, mulheres, borboletas, cavalos, andorinhas, cães e gatos) componentes de um reino de natureza animada, qualidade que nos distingue de vegetais e minerais. Os vegetais têm um ciclo de existência parecido com o nosso (nascem, crescem e morrem), mas não produzem movimentos espontâneos e/ou inteligentes nem apresentam indícios de que possuam sentidos capazes de estabelecer com o meio circundante diálogos que expressem tristeza, dor, prazer ou alegria. Todos os outros elementos existentes na grande aldeia são minerais: seres inertes em mórbido estado de espera do inexorável encontro, com aqueles que um dia tiveram vida: As árvores, os passarinhos, os comerciantes e nós.

Desta forma, podemos tomar o movimento (animação) como a principal característica do reino ao qual pertencemos e consequentemente das espécies às quais estamos biologicamente ligados (as) por semelhança física, orgânica e reprodutiva. No entanto, cessam, com o sopro da vida, as visíveis e científicas aproximações entre humanos e o conjunto totalizante dos seres irracionais. Isto porque, homens e mulheres são animados (as) e intelectuais; brincam, pensam e trabalham. E quando trabalhamos empreendemos um tipo de ação que nos transforma em seres singulares, únicos habilitados pela natureza à produção cultural.

No princípio era o movimento...
...depois vieram, além dos dias e das noites e não exatamente nesta ordem, o amor, a comida, o brinquedo e o trabalho. Somos brincantes e trabalhadores permanentemente desconfiados da veracidade da afirmação bíblica de que a luta pela sobrevivência é uma criação divina à guisa de castigo pelo ato sexual não consentido e simbolicamente representado pela célebre história da comida indevida da maçã.

Exageros, pilhérias e falhas à parte, o que está implícito nessa passagem cristã, é a natural vocação de homens e mulheres para o prazer, o fazer e o brincar. Este fato nos leva a crer que o simbolismo da ordem de expulsão de Adão e Eva do paraíso, pudesse ser resumido na seguinte frase: Ide! Amai, fazei e brincai!

Esta é a trinca verbal que nos unifica e ao mesmo tempo faz com que desconfiemos das pessoas que não amam, não brincam e não trabalham. A ausência de desejo para a consecução dessas três ações é objeto de inúmeros ensaios psicanalíticos e causa em nós, estranhamento diante dos anômalos (quase mortos) que consideramos passíveis de tratamento e, de certa forma, perigosos para a vida em grupo.



Duas divindades da alegria
Quem não gosta de samba
Bom sujeito não é
É ruim da cabeça
Ou doente do pé

Estudos biológicos e psicanalíticos recentes, sobre o comportamento humano, indicam que a necessidade de procriar, brincar e produzir, síntese das ações expressas no período anterior, vem impressa em nosso mapa genético da mesma forma que os pássaros trazem no organismo a forma de seus ninhos. Ao DNA do João-de-Barro, por exemplo, já vem acoplada a receita para a construção de sua casa e a lista dos materiais que ele terá de transportar para o espaço que servirá tanto para o início da vida de seus filhos, quanto para o aprisionamento involuntário, que, quase sempre, leva à morte a sua inestimável companheira. Já em nossa escada helicoidal, além de milhões e milhões de outras coisas, está escrito em letras garrafais: A ordem é brincar!



Dançando Cacuriá


Passamos a nos diferenciar de cobras e lagartos quando produzimos visando o aprimoramento dos objetos de uso cotidiano. As habilidades que adquirimos fizeram com que gradativamente fôssemos catapultados a patamares cada vez mais distantes de todos os nossos companheiros de reino, mas sabemos que, no que se refere ao aspecto físico, não somos lá muito diferentes de emas e avestruzes.

Tais constatações nos levam à crença de que o diferencial maior somente torna-se visível quando nos capacitamos, entre brincadeiras e ofícios, para o empreendimento de melhorias no espaço vital (o habitat). Esses acontecimentos devem-se em grande parte à generosidade da natureza, principal responsável pelo sucesso de nosso mais belo salto ao patamar em que hoje nos encontramos: Societariamente organizados para o consumo e para o prazer que advém da produção material (trabalho) e da fantasia (jogo e brinquedo) que garantem a saúde física e social das coletividades.

Dia de festa no Boi Brilho de Lucas

Já pensando no fechamento deste artigo, é preciso considerar, também, que o distanciamento entre trabalho e brinquedo é meramente semântico. Em essência, é muito tênue a linha que separa as duas ações. Seja pelo fato de as crianças não perceberem as brincadeiras e jogatinas como um não trabalho ou coisa de criança, seja pelas inúmeras formas de jogos incorporadas ao acervo laboral dos adultos para o simples deleite da alma.

Por tais razões, e por várias outras não tratadas neste trabalho, se mantêm atuais as considerações de Freire sobre o afeto, de Bakhtin sobre a natureza da festa e de Vygotsky sobre a relevância do jogo da fantasia; como instrumentos propiciadores da felicidade coletiva. Ao incorporarmos, à nossa visão pedagógica, a premissa de que a saúde da mente implica em saúde do corpo, é nosso dever, na qualidade de educadores, contribuir para que os espaços ampliadores dos saberes também se empenhem na construção de formas mais prazerosas de construção do conhecimento que se apresentam, tanto nos exercícios primários que advém de nosso espírito lúdico quanto nas variadas formas de trabalho que se distanciam da tortura, curam, emancipam e libertam.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

DECIFRA-ME OU TE DEVORO






Édipo e a esfinge - Ingres - Museu do Louvre -imagemWEB





UM TRABALHO DE EQUIPE


Madeira de Rua

Estúdio Nascimento

Editora De Petrus

Alunos da EM Profa. Cleuza Jordão.





Conta uma das centenas de lendas gregas, que, na entrada da Cidade de Tebas havia uma esfinge, dentre todas que conhecemos, a mais violenta e audaciosa. O terrível animal tinha asas imensas, corpo de leão, cabeça de falcão ou de mulher e inteligência humana. Foi esta a descrição que mais ouvimos em nossos tempos de escola, mas não fiquem intrigados se vocês têm outra versão para contar. A definição da estrutura física deste ser assustador varia de acordo com os conhecimentos e interesses de cada contador de histórias.

O que há de comum entre todos os informantes é o fato de que a sua principal missão era aterrorizar as pessoas que se dirigiam à cidade. Dizem ainda que, para se fingir de boazinha, a bicha dava uma chance ao interpelado pronunciando uma frase que ficou muito famosa: Decifra-me ou te devoro! Assim mesmo com o pronome no meio da frase.

Ato seguinte, ela fazia ao quase devorado a seguinte pergunta: Qual é o animal que pela manhã anda com quatro pernas, ao meio do dia com duas e ao anoitecer com três? Como se tratava de um enigma construído pela própria esfinge, ninguém conseguia decifrá-lo e todos acabavam sendo engolidos naquele mesmo lugar.

Certo dia, porém, depois de assassinar seu pai e em vias de casar-se com a própria mãe, Édipo encontrou-se com a esfinge que, esfomeada, foi logo fazendo a ele a mesma pergunta. Quando a engraçadinha já estava prestes a comer o grande herói, ele disse: É o homem! Pois na infância andamos com quatro pés, na juventude com dois e na velhice com três (duas pernas e uma bengala). Perplexa e desesperada, a esfinge projetou-se sobre as pedras pontiagudas de um profundo abismo, pondo fim ao terrível pesadelo para aqueles que visitavam a mitológica cidade.

Sabemos que este desafio é apenas um dos milhares que a humanidade construiu para aguçar a curiosidade geral. No entanto, temos a sensação de que ele foi o que mais provocou a fértil imaginação da civilização ocidental. Todas as brincadeiras de perguntas, todos os enigmas que são construídos pelos mais velhos para movimentar a mente da garotada, têm o propósito de chamar o indivíduo a refletir sobre temas de nosso cotidiano, podendo inclusive ajudá-lo na solução dos problemas que seguir-lhe-ão atormentando pela vida afora.

Para este trabalho, além dos inúmeros jogos que elaboramos, selecionamos de várias publicações constantes da bibliografia in fine questões simples destinadas à meninada que freqüenta os bancos da escola de ensino fundamental. Por outro lado sabemos que elas também servirão para o deleite dos mais velhos que não suportam ver uma revistinha de passatempo, sem debruçar-se sobre ela até devorá-la, até chegar a uma solução que satisfaça, não somente às questões propostas pelo veículo lúdico, como também às suas próprias interrogações. Portanto, sinta-se desafiado, divirta-se, ensine, aprenda!

É importante dizer também que não somos professores de matemática, apenas gostamos muito de jogos e aprendemos com Piaget, Ferrero, Kamii, Freinet... a utilizá-los como instrumentos que podem, e muito, contribuir para o desenvolvimento da inteligência. Por isso, somente apresentamos, neste trabalho, os exercícios que conseguimos resolver nos inúmeros livros, revistas, olimpíadas, testes e provas consultados para montagem desta obra. Alguns jogos foram utilizados na sua forma original, outros (já pedindo desculpas aos seus formuladores) foram modificados para facilitar a compreensão da meninada de ensino fundamental. Isto, a nosso ver, faz com que a criança se defronte com as mesmas possibilidades de errar e acertar e, desta forma, sinta-se permanentemente estimulada a prosseguir pelos saudáveis caminhos do jogo.

Desde já, agradecemos a todos (educadores ou simpatizantes) que, mesmo sem saber, contribuíram para a socialização das informações constantes deste projeto e esperamos que todos possam nos felicitar comparecendo ao lançamento do livro Decifra-me ou te devoro (carregadinho de jogos e enigmas) previsto para fins de março de 2010.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A ESTÉTICA DO DESCARTÁVEL NO SÉCULO XX

Cadeira Thonet -Imagem WEB


Volta e meia, lemos em algum veículo de comunicação que um determinado artista passou a utilizar, em seus trabalhos, elementos descartáveis de uso cotidiano que pertenciam a outras pessoas. O lixo, além de fonte de renda de milhares de empobrecidos no mundo inteiro, passou a fazer parte também dos apurados gostos estéticos que dominaram o mercado da arte no século XX.


Uma parcela considerável desses artistas, faz uma defesa ecológica de seu ato criativo partindo de um viés muito simples: Ao utilizar um produto que rolava pelas ruas em minhas obras estou contribuindo para que ele não polua o meio ambiente e ainda por cima evito que outra peça de minha autoria seja feita com novos materiais extraídos de um ecossistema qualquer. Somente por isso o seu gesto seria louvável. Como na fábula do beija-flor, ele também está fazendo a sua parte.

No entanto, o assunto sobre o qual desejo discorrer neste artigo, vai um pouco além da relação homem-meio com o objetivo de preservação da vida de ambos. Podemos dizer, sem medo de cometer erros, que em nenhum momento de nossa história a sociedade produziu formas tão interessantes para que sejam descartadas logo após o uso do produto conteúdo ou da própria peça quando ela já não servir ao fim para o qual a mesma foi concebida. A razão dessa beleza que enche as ruas está no desenho dos objetos, já que a quase totalidade dos produtos industrializados do século vinte passou por alguma forma de projeto antes de sua modelação. Coisas simples como uma garrafinha de refrigerante exigiram esforços para que o seu desenho contribuísse para o aumento dos lucros de uma determinada marca. O que hoje vai para o lixo é parte dessa elaboração e, por sua beleza, adaptar-se-á, sem muita dificuldade, a outra obra de natureza decorativa ou utilitária.
Para que tenhamos noção da qualidade do desenho que vai para o lixo juntamente com o descarte desses produtos, precisamos listar, apenas, os mais visualmente poluidores do meio ambiente nas grandes cidades: madeiras de mobiliário, garrafas de refrigerantes, caixas de computadores, carcaças de automóveis, espumas de colchões e sofás e peças únicas interessantíssimas descartadas pela falta de interesse de seus proprietários em reconstruir ou restaurar os seus objetos de intimidade cotidiana como cadeiras, abajures, lustres, camas, aparadores, mesas de cabeceira e mais uma infinidade de belas peças, algumas de renomados desenhistas do Brasil e do Exterior. Somente, a guisa de exemplo, no meu arquivo de achados e perdidos tem uma Tenreiro quebrada, uma Marcel Breuer e várias Thonets à espera de conserto (para os leigos, falo sobre cadeiras).









Marcel Breuer-imagemWEB

Interesso-me pelo tema porque, na raiz disso tudo está o irreverente espírito de Duchamp ao perceber que na forma dos objetos mais simples existia uma beleza pouco notada que os elevava à categoria de Arte. Da mesma forma, em meados do século XX, os professores da Bauhaus, escola de desenho alemã e minha principal fonte de inspiração, procuravam trazer os objetos produzidos pelos artesãos tendo em vista o reestudo da forma e a sua melhoria funcional com o propósito de acabar com a distância entre a arte pura e os objetos de uso cotidiano.

Mais recentemente, passei a notar, nas dezenas de publicações que assino e leio, uma retomada da inserção desses objetos nos projetos decorativos das residências daqueles que podem pagar pela sua aquisição. No bojo das preocupações ecológicas, aproveita-se de tudo pelas paredes que, há muito tempo, deixaram de receber apenas quadros com suas molduras convencionais. Nelas são penduradas as relíquias familiares e toda sorte de objetos recuperados, alguns na categoria das vintages, outros, sem vida suficiente para esta denominação, saem das lojas como cópias de gostos duvidosos de tudo aquilo que foi produzido no século XX e que trazem as falsas marcas da contemporaneidade. Fortalece-se o objeto como forma de arte. A garrafa de coca-cola (Samuelson e Dean), ícone do desenho industrial, não espera mais a releitura de artistas como Warhol ou Pollock. Agora ela vai direto para a mesa como relíquia de um tempo romântico, conflituoso e de extrema fertilidade intelectual.






Garrafas de Coca-Cola - Imagem WEB

Foi nesse mesmo século que o desenho italiano explodiu para o mundo como a mais fiel das representações de um espaço tradicionalmente cultivador das formas clássicas de expressão. O resultado de tudo isso está no nosso entorno. Para onde quer que olhemos, em qualquer parte do mundo, lá estão as marcas das mãos hábeis dos desenhistas italianos, considerados por muitos os melhores designers do século XX. Somente para citar alguns exemplos, declinamos os objetos mais conhecidos e que, com um pouco de sorte, podem ser encontrados nos lixões existentes país afora: Máquina de escrever Olivetti, Cadeira Superleggera, Cafeteira Moka Express, Banco Bombo, Cadeia Diamond, Saca-rolhas ANNA G, Cadeira dobrável Piretti, Cinzeiro de Chão 4610, Saco de sentar (Pufe) e a Ferrari do Massa, possivelmente, o mais representativo objeto de desejo dos automobilistas em todo o mundo e que obviamente, neste parágrafo, representa a exceção de não ser encontrada em um lixo qualquer.

Máquina de escrever Olivetti 22- imagem WEB

Com tanta beleza jogada fora, era muito natural que surgisse uma legião de artistas colecionadores, dentre os quais eu me incluo, dispostos a não deixar que se apague de todo a memória de nossos pais de profissão. Além dos móveis salvos do caminhão do lixo, vamos recuperando objetos e guardando outros que, por trazerem as marcas de seu tempo, vão para a parede do jeito em que foram encontrados pelas ruas, obviamente depois de um bom banho de inseticidas e de rigorosa assepsia hospitalar. Salve o velho objeto, salve a história do desenho!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

E SE CADA UM CUIDASSE DO SEU LIXO...




Era um triste dia de incêndio na floresta. Os bichos apavorados, cada um dentro de seus limites, lutavam para apagar o fogaréu que a tudo destruía, dentre eles o beija-flor a semear gotículas d’ água que mal chegavam a atingir as labaredas. O macaco que a tudo observava, ironicamente, perguntou à pequena ave: Você acha que o seu trabalho servirá de alguma coisa? O beija-flor prontamente respondeu: Como todos, sempre que ocorre uma tragédia desse porte, eu também tenho dúvidas, mas estou fazendo a minha parte.

Fábulas do Imaginário Universal



Quando eu ainda estava na pré-adolescência, costumava visitar a um Tio bondoso que morava no conflituoso bairro de Vigário Geral, subúrbio do Rio de Janeiro, região onde passei os primeiros anos de minha vida. A cada seis meses, minha mãe adotiva pedia para que eu passasse um dia com ele e eu adorava. Ficávamos o tempo todo para lá e para cá. Ele em seus afazeres para manter limpo o quintal da casa e eu comendo as frutas de seu bem cuidado pomar.

A aposentadoria precoce permitia-lhe vivenciar esses prazeres. Às doze horas em ponto, almoçávamos juntos, sempre o mesmo cardápio: Feijão, arroz, jiló e a carne ensopada mais gostosa do mundo feita por minha Tia Luiza, que só almoçava depois que levantávamos da mesa. Era como se eu fosse um hóspede a negócios e ela uma serviçal doméstica orientada para não interferir nas conversas entre meu tio e os homens que visitavam o casal. Comigo, apesar da tenra idade, ela procedia da mesma forma. Ao final da tarde tomávamos café, meu tio me dava sempre algum dinheiro para o transporte e lá ia eu feliz por mais aquele dia.

Nesses encontros, o trabalho que mais via meu Tio fazer era enterrar lixo e transportar outros materiais de um lado para outro numa interminável tarefa que lhe deixava exausto ao cair da tarde. Certo dia, depois de comer bastante seriguelas, perguntei-lhe por que fazia aquilo, no que ele me respondeu: Cada um devia cuidar do lixo que produz, por isso não jogo nada fora. Isso mesmo: nem os excrementos iam para a vala. Tudo era processado ali, naquele imenso quintal. Nunca mais me esqueci das palavras de Maximiniano, um Tio quase correto em se tratando de consciência ecológica.

O Velho era de pouca conversa e gestos muito simples, mas foi dele que recebi as primeiras lições assistemáticas de proteção ao meio ambiente. Afora os passarinhos que criava em gaiolas, eu achava o meu tio Maximiniano o máximo. Foi, também, com ele que comecei a gostar das coisas que os outros jogam fora. Primeiro os carrinhos, os brinquedos quebrados, depois, na adolescência quando começava a desejar o ofício de pintor, as chapas de compensado e mais tarde, já profissionalizado em velharias, o hábito de pegar, nas ruas e calçadas, móveis quebrados para restaurar.



Já professor, comecei a utilizar os bons pedaços de compensado que encontrava para fazer tabuleiros de jogos para as crianças das escolas onde trabalhava. Mais recentemente, percebi que as coisas já não cabiam no apartamento de Vila Isabel e aluguei uma casa no subúrbio de Acari, para que o projeto pudesse dar um salto de qualidade. Com isto me tornei auto-suficiente em madeiras beneficiadas e hoje toda a madeira que utilizo vem das ruas, dos inúmeros móveis velhos que recolhi, antes que eles acabassem em um aterro sanitário qualquer. Não sei dizer quantas árvores foram salvas, mas percebo que toda a minha família já está aprendendo a não comprar móveis novos. Tudo que precisamos para casa e necessita de madeira para ser executado, é recolhido no grande depósito de Acari.








O que estamos vendo nessas fotos é uma pequena parte do que até agora conseguimos produzir com um maquinário rudimentar. São jogos de tabuleiro, difusores para estúdios de som, desenhos, pinturas, cavaletes para atelier, cadeiras para varandas, cadeiras para crianças, móveis para escolas, cômodas, mesas de jantar e de centro e outras coisas que agora me fogem à lembrança.














Estamos agora procurando um caminho para o desaguamento dessa produção, mas ainda esbarramos no custo. Fica, portanto, o nosso prazer ainda restrito à preservação da flora e à limpeza do meio ambiente, isto porque os artefatos oriundos de qualquer ação de reciclagem, ainda são mais caros do que aqueles feitos com materiais novos. O reprocessamento tem um custo muito alto devido ao número maior de fases de execução, uma delas e a mais demorada é a limpeza e o preparo do material encontrado nas ruas, muitas vezes já em estágio de deterioração e cheio de pregos. Esses fatos justificam a nossa opção pelas doações. Tudo que fizemos até agora foi presenteado. Numa primeira fase o nosso objetivo é o desenvolvimento de novas consciências consumidoras dos descartados do amanhã.

Outra questão, diz respeito ao hábito desenvolvido pelas sociedades modernas de consumir em excesso aquilo que é totalmente novo. O mobiliário das salas dos setores médios da sociedade precisa ter o brilho das Casas Bahia, bom acabamento e provocar impacto visual, atributos que muitas vezes são priorizados em detrimento da funcionalidade.

Essas práticas estão arraigadas aos costumes dos setores dominados pela pequena burguesia e somente mudará quando a pessoa que adquirir um móvel feito com entulhos que boiavam nas águas de um rio, souber que, além da peça recuperada, ela também estará assumindo a defesa de uma causa justa e ecologicamente correta. Somente para lembrar: Os europeus, com a arrogância daqueles que pensam que a tudo sabem, devastaram, em quinze séculos, praticamente todas as suas florestas nativas.

É por isso que, nas terras do Velho Mundo, quase todas as árvores plantadas nos jardins públicos se parecem com bichos empalhados. Por aqui, as coisas também começam a ficar complicadas. Quem hoje viaja pelas rodovias que cortam o Estado do Espírito Santo, já pode notar que as nossas florestas de eucalipto estão ficando um tanto parecidas com as florestas uniformemente replantadas da Europa Central. Seria bom que aprendêssemos com os erros alheios.

Mas se ainda assim o(a) leitor(a) estiver encontrando dificuldade para se convencer da necessidade de formação dessa nova consciência, tenha paciência com as coisas que você está pensando em jogar fora. Somente o fato de você demorar um pouco mais a se desfazer de sua cômoda velha, já contribui para a redução da derrubada de árvores de nossa flora. Outra opção torna-o(a) ainda mais engajado(a) e generoso(a): Ao se desfazer do móvel velho que o (a) incomoda oferte-o para alguém que, como eu, possui uma queda especial por coisas do passado. Com este gesto o cidadão ou a cidadã já pode solicitar a ficha de inscrição e entrar para o quadro dos trepidantes agentes do Greenpeace que luta pela preservação das florestas do mundo.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Em frente à minha janela tem uma árvore








Muito grande e frondosa é a árvore existente à frente do prédio em que moro, há bem pouco tempo, num pedaço tranquilo de Vila Isabel. Caso não esteja muito enganado, trata-se de um pé de cedro cujas folhas adentram pela janela do quarto que fizemos de escritório. Vemos nessa grande árvore (exageradamente podada em dias recentes) o centro de um ecossistema muito rico. Do parapeito de minha varanda, fiz uma lista dos espécimes que a habitam ou que a visitam ou que de alguma forma precisam dela para sua sobrevivência. Afora as formigas que estão em todos os lugares, pude contar: dois casais de bem-te-vis que vivem no mesmo ninho ou moram em casa geminada, um casal visitante de sabiás, um número imprevisível de maritacas, um pequeno casal de caga-sebos, pardais, rolinhas, garrinchas, incontáveis cigarras, morcegos e se considerarmos que todos eles consomem algo quando estão a desfrutar da bela casa, o cardápio de insetos deve ser bem variado.



Confesso que somente a sombra que ela faz em minha defesa e o canto do casal de sabiás, já seriam suficientes para que os homens que, a serviço do estado, cortam ou podam as árvores tivessem um pouquinho mais de sensibilidade ao fazer o que eles mesmos chamam de poda regular. Por algumas vezes lhes falei sobre a violência que empregam na poda, como se naquela residência verdejante não vivessem outras vidas, mas eles retrucaram dizendo que já saiam de seus locais de trabalho com a tarefa pré-determinada. O que eles queriam dizer com isso é que, quase sempre, para os bairros da zona norte e subúrbios da cidade do Rio de Janeiro, a recomendação é poda radical. Mais uma vez justificam o ato vil dizendo que a rede aérea de iluminação assim a exige. Tem ainda a queda dos galhos sobre os carros, as reclamações dos preguiçosos que não gostam de varrer as calçadas, o entupimento das redes de águas pluviais...

Como podemos ver são tantas as justificativas que ficamos sem argumentos diante de outros tantos sustentados pela legalidade. Quando finalmente desistimos do combate ideológico, entra a moto-serra e deixa um toco cinzento e triste no lugar do que antes era uma árvore à espera de seus moradores e do desesperado encontro com a residência devastada.

Sofremos todos com a insensibilidade de homens e mulheres. Em contrapartida a natureza vem respondendo à altura procurando reequilibrar-se utilizando sensores que indicam o que precisa ser feito para curar os atos insanos, mas nem sempre as coisas funcionam como desejamos. As tragédias ocorrem por causa das falhas nos instrumentos de controle (imperfeitos e rudimentares) da natureza na tentativa de reparar os erros intencionais praticados por homens e mulheres.

A população de São Paulo, por exemplo, vive a reclamar das chuvas que a tudo alagam, mas se esquece de que alguma coisa resfriadora precisava entrar no lugar da tradicional garoa destruída pela ganância das grandes corporações industriais e imobiliárias. Todo mundo em São Paulo sonha com o impossível: trabalhar ou morar na Avenida Paulista ou em seus arredores.

Sabemos também que as nuvens carregadas de água não despejam o precioso líquido em qualquer lugar. Cada carneirinho que se desloca sai perguntando onde está mais quente para que a água seja despejada no lugar certo. Como quase sempre as maiores temperaturas acontecem nas áreas mais povoadas as chuvas acabam caindo de forma concentrada sobre as cabeças dos mais empobrecidos que nada fizeram para receber tamanho castigo.



Noutro dia estava a passar uma matéria sobre aumento de temperatura e quase não acreditei no que li. Uma bióloga dizia que uma árvore, somente uma, reduz em até três graus a temperatura em seu entorno. Como se tratava de um tema que a mim interessa, comecei a observar o comportamento das pessoas em dias quentes. Elas se aglomeram instintivamente à sombra das pequenas árvores apedrejadas cotidianamente pela própria população. Tem exceções, mas o número de predadores ainda é infinitamente maior do que aqueles que às protegem. Eu mesmo tenho uma casa no subúrbio cheia de árvores que me dão um trabalho danado para que as pessoas, algumas do círculo familiar, não as destruam. Preocupo-me porque também sou vítima. A natureza não tem cadastro de SPC para somente punir aqueles que lhe fazem mal.

Em dias recentes, várias pessoas, no município de Angra dos Reis, pagaram pelos erros dos poderes estadual e municipal. No afã de cobrar a conta geral aos que venderam as licenças ambientais na Baía da Ilha Grande, a quase infalível justiça divina acabou tirando a vida também dos ricos e pobres que estavam por perto. Quase quarenta pessoas pagaram uma conta que a outros era destinada.

Foto Wilton Júnior - WEB

Além da sombra que lambe minha janela e do gorjeio dos pássaros que acalantam minhas tardes e manhãs, não estou individualmente cobrando muitas coisas. Mais precisamente, acho que os podadores mandados precisam de cursos regulares sobre o trato com o meio ambiente, mas não somente sobre aquelas coisas técnicas que todos acham que devem aprender para que se tornem exímios mãos-de-tesouras. Falo dos signos da arte, das aulas de expressão corporal, das dinâmicas de grupo e de outras dezenas de ferramentas capazes de dar a homens e mulheres a redundante, mas não indispensável condição de humanidade.

Caulos, grande humorista, autor de Vida de Passarinho e um dos primeiros a preocupar-se com a questão ambiental, certa vez fez um desenho muito bonito que falava da tristeza de um passarinho ao voltar para seu ninho e encontrar apenas o cepo da árvore que, àquela altura, já boiava em um rio qualquer. Coisas simples como essa precisam fazer parte dos conteúdos curriculares dos podadores de árvores para que possam sempre lembrar-se de que ao cortar exageradamente os galhos de nossas árvores, além de acabarem com o meu refúgio térmico, deixam ao léu centenas de pequenos seres que lá construíram suas casas acreditando na vigilância perpétua da natureza.

Com essas bondades práticas não estamos livres da ira, mas nos aproximamos dos deuses e podemos dormir tranquilos na certeza de que se algo vier a dar errado, não terá sido por fruto de nossa omissão.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Pinus: a monocultura da vez.








A madeira branca que vemos jogada pelas ruas em forma de caixotes, movéis ou pallets chama-se pinus, a substituta do velho pinho, muito utilizado em obras na segunda metade do século XX. Tanto fizemos que o pinho praticamente desapareceu dando espaços, nos estados do sul, para a monocultura do pinus. Como essa madeira é muito barata o seu reaproveitamento é economicamente inviável. Ninguém quer perder tempo com uma madeira que não tem valor de mercado depois do primeiro uso. Montou-se, portanto, a farra do lucro fácil com consequências desastrosas para o meio ambiente.

Para que se tenha uma idéia, um hectare de terra no sul do Brasil não custa mais de mil reais. O mesmo terreno coberto de pequenas mudas de pinus tem o seu preço quadruplicado e em dez anos a mesma terra com as árvores já adultas e boas para corte pode valer até 10 vezes mais do que o seu preço imediatamente após o plantio. Um excelente negócio em tempos de inflação baixa e de baixa rentabilidade dos fundos de aplicação e cadernetas de poupança.

Pouco se fala sobre este assunto, porque o foco atual está sobre o plantio dos eucaliptos que consome uma boa parte das terras cultiváveis entre o sudeste e a parte baixa do nordeste brasileiro. As regiões sul e centro-oeste que já sofriam com o excessivo plantio de soja, começa agora a sentir as consequências de mais uma forma de lucro irresponsável e a médio prazo mais um elemento movivador do aparecimento de desertos frutos dos desmatamentos inerentes às monoculturas que abarcam grandes extensões de terra.

A questão do pinus torna-se mais grave por se tratar de um tipo de madeira com amplas formas de utilização: na construção civil, na industria de móveis baratos, na indústria de portas e divisórias e na confecção de forros para residências. Os fabricantes de defensivos e protetores de madeira estão criando novos produtos para que a garantia do pinus seja estendida até, pelo menos, 15 anos. Ampliando os espaços de aplicação crescem as plantações da bela árvore e também as áreas de desmatamento que vão fazendo do sul do Brasil um espaço de constantes tragédias produzidas por uma natureza que ainda não sabe castigar somente os culpados. A mais recente, em São Luiz do Paraitinga, teve como principal vilã a parede de eucaliptos que cerca a cidade.


Aparador feito com madeira recolhida de rios mortos


Tenho contado essa história aos meus alunos e procurado incentivá-los a prestar atenção na enorme quantidade de madeira que é deixada pelas ruas, todos os dias. Mais recentemente criei um espaço chamado Madeira de Rua para o armazenamento do que for possível e reaproveitável. Com essa madeira, fazemos os tabuleiros de jogos para as crianças de nossas escolas e móveis para aqueles que já aprenderam a lição de somente adquirir os que são feitos com madeiras reutilizadas. E tem muita gente empenhada neste tipo de fabricação. Para saber mais sobre esta proposta de trabalho acesse www.madeiraderua.com ou procure informações nos sites que vão nascendo tendo como principal meta a conscientização daqueles que apostam na obtenção de formas imediatas de lucro sem atentar para suas consequências.