terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Intestino preguiçoso: um mal que o PDDE poderia curar


Cresce, em progressão geométrica, o número de mulheres jovens que já não sentem prazer em sair de casa para longos passeios porque não conseguem resolver os seus problemas relacionados a males como prisão de ventre, constipação ou intestino preguiçoso. Cada um de nós tem um amigo ou um parente próximo que sofre com algo aparentemente simples de resolver. Ora, se existem tantos tipos de laxantes por que se preocupar com doença tão comum? O problema está exatamente no uso contínuo desses medicamentos para um mal que poderia ser evitado. Este tipo de remédio, em longo prazo, vai se tornar prejudicial à saúde do usuário que faz uso abusivo de suas propriedades.

É importante notar que, a maioria dos casos, são de mulheres que ainda jovens adquiriram o hábito de não ir ao banheiro fora de casa porque os sanitários que elas conheceram na infância e na adolescência, principalmente nas escolas públicas, eram de péssima qualidade. Quem nos ajuda a entender melhor o problema é o Dr. Roberto de Carvalho Pinto, gastroenterologista da UNIFEST: Em 90% dos casos de prisão de ventre são considerados constipações funcionais. Isso significa que eles não estão relacionados a nenhum tipo de distúrbio orgânico, mas a maus hábitos. Algumas vezes, a alimentação é equilibrada, mas a distância do banheiro de casa impede o intestino de funcionar, um reflexo psicológico muito comum entre as mulheres e perfeitamente contornável desde que, aparecendo a vontade, não haja resistência. Se o reflexo do intestino não é respeitado, as fezes acumulam. Enquanto isso, o intestino vai absorvendo a água contida nelas, dificultando a eliminação posterior. (HTTP://www.laçosdesolidariedade.org.)

Pinto tem razão, mas resta convencer a meninos e meninas que façam uso de banheiros tão imundos e inadequados para a satisfação de suas necessidades fisiológicas, principalmente quando é preciso sentar-se em um vaso sem o anel higiênico que normalmente deveria ficar entre a louça e as nádegas de seus usuários, quando os mecanismos de descarga nem sempre funcionam como deveriam ou o que é o mais doloroso para a escola pública da sexta economia mundial: quando o papel higiênico é dado pela diretora do estabelecimento aos pedaços que ficam em uma caixa à vista de todos, normalmente nos balcões das secretarias escolares. Nem os pais percebem a perversidade que fazem com os seus filhos. Todos acham isso muito natural, inclusive as mulheres, professoras, que deveriam lutar por melhores condições de higiene e saúde para as suas pequenas irmãs siderais.

O abandono de tão importante espaço tem uma explicação simplista, mas vingativa: não consertamos porque foram eles mesmos que quebraram o vaso, que quebraram o mictório, que picharam as paredes com as siglas do comando vermelho e, a mais corriqueira, que entupiram o vaso com o rolo de papel higiênico.

Sem preocupar-se com essas picuinhas, o Governo Federal, cansado de ouvir reclamações das direções escolares sobre a falta de dinheiro até para comprar parafusos, resolveu, há mais 15 anos, criar um programa chamado PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola, que literalmente põe, nas mãos das direções escolares, dinheiro para pequenas e médias emergências, cerca de R$ 10.000,00 por ano, mas dependendo da competência da escola para elaborar projetos esse montante pode aumentar muito. Tem escola recebendo mais de R$ 100.000,00 em função do número de projetos que é capaz de apresentar e desenvolver.



Vaso sanitário de uma escola pública

Não era exatamente com o que sonhávamos para a educação, mas esse dinheiro serve para melhorar os banheiros das escolas, os bebedouros (incluindo a avaliação da água que as crianças bebem), a troca dos pratos de plástico azul, condenados pela Organização Mundial de Saúde, o fornecimento de talheres de acordo com a faixa etária das crianças, bancos e mesas para todos na hora das refeições e outras pequenas melhorias capazes de fazer da escola um espaço mais prazeroso e, por conseguinte, mais produtivo. É também o que pensam os autores do projeto que, logo no seu segundo parágrafo, escreveram: O programa engloba várias ações e objetiva a melhora da infraestrutura física e pedagógica das escolas e o reforço da autogestão escolar nos planos financeiros, administrativo e didático, contribuindo para elevar os índices de desempenho na educação básica.


Mais recentemente, contrariando os objetivos iniciais do projeto, seus artífices de agora resolveram permitir que as direções fizessem poupança com as sobras do dinheiro mandado a cada ano. Mais explicitamente, as sobras de um determinado ano podem ser gastas em outro. Esta decisão, repleta de boas intenções, deu às escolas um prazo excessivamente elástico para o emprego das verbas, de tal modo que já tem escola deixando de fazer uso do dinheiro para montar uma poupança irresponsável privando as crianças de pequenos direitos enquanto as verbas que poderiam realizá-los dormem nas contas dos bancos públicos que, dentre outras coisas, alimenta a corrupção nacional. E não são apenas sobras. Algumas instituições, alegando dificuldades nas compras, sequer mexem no dinheiro mandado pelo governo federal.


Resolvi escrever sobre o tema depois de trabalhar em várias escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro e dos municípios de Angra dos Reis e do Rio de Janeiro. Em todas elas, os mesmos problemas relativos à higiene básica dos espaços destinados aos alunos. No bojo dessas discussões uma professora disse-me em tom de brincadeira, mas com alguma lógica, que os banheiros dos alunos e a água que eles bebem somente melhorariam quanto professores e alunos fizessem uso dos mesmos equipamentos. Não sei se isso resolveria, porque a água que bebemos já é a mesma e nada melhorou, mas não custa experimentar.




Caixa de descarga do vaso anterior
As desculpas das direções, majoritariamente mulheres, para o desleixo com espaços escolares tão importantes, contrariam os princípios da boa pedagogia que vê a escola como um espaço educativo globalizante. Ao confinar os objetos que causam incômodos e dá mais trabalho aos funcionários, a escola perde a oportunidade de ensinar àqueles que não tiveram oportunidade de aprender, em seus lares, os hábitos básicos de higiene. E se não conseguimos fazer com que meninos e meninas desenvolvam esta forma de consciência, para que uma grade enriquecida de conteúdos científicos? Para que aqueles monstruosos livros que tratam de temas como reprodução humana e aparelhos excretores, se a escola não é capaz de dizer para o menino ou a menina que o rolo de papel higiênico não foi feito para ser jogado dentro do vaso sanitário?
Não estou fazendo aqui uma defesa simplória de que o papel da escola seja o de também tomar para si as responsabilidades que cabem aos pais, mas ela também não pode confinar o papel que dá, principalmente, às meninas tranqüilidade e evita o desconforto de ir à secretaria pedir a uma pessoa (que para piorar, pode ser do sexo masculino) um pedaço de papel para sua higiene mais íntima. Cada um de nós sabe o quão vexatório é este gesto. Eu, particularmente, nunca me submeti à infame prática. Nas horas de intensa necessidade quem sofria era o caderno. Quantas folhas foram utilizadas para a higiene de meu tempo de escola?

Algumas crianças se valem desse e de outros expedientes, mas o mais comum é o condicionamento do intestino para que ele somente se manifeste nos horários em que o indivíduo possa estar em casa. No entanto, resta um problema: como os sensores neuro-fisiológicos não conseguem distinguir a escola de outros prédios, de outros lugares, cresce a legião de entes-vasófobos, seres portadores de uma nova doença psíquica que ataca àqueles que têm medo dos vasos sanitários não pertencentes à sua própria casa. Não usem esse termo horrível porque ele não existe. Criei porque não sei ainda como denominar as pessoas que guardam, por até cinco dias, os excrementos que deveriam expelir, em suas barrigas endurecidas.


Papeleira sempre distante do papel higiênico

Outros blogs médicos, que cuidam de temas correlatos, referem-se à doença como originada de um hábito compulsivo causado por algum tipo de repulsa a ambientes muito sujos. Para atenuar o problema, os responsáveis pela maioria dos sanitários públicos americanos eliminaram as cestas de papel que ficavam ao lado dos vasos sanitários. Mas o problema não é da cesta. Ele foi gestado em idade mais tenra, em cada um de nós, possivelmente lá pelos idos da pré-escola.
Também não quero cometer exageros achando que tudo é culpa do papel higiênico, mas uma boa parte das pessoas que adquiriu essa péssima mania foi aluno ou aluna da escola pública. Meninas e meninos, há anos recebendo conselhos de seus indefesos pais para que não usem o banheiro morfético e repugnante da escola de ensino fundamental, vão aprendendo, também, a não ir ao banheiro das casas dos amigos, da igreja, das pousadas, dos hotéis.


Sabemos que existem outras causas para o medo dos vasos dos hotéis (neste caso o número de estrelas não tem a mínima importância), mas devemos considerar que a falta do papel higiênico, para as crianças em plena formação da personalidade, deixa a sua parcela de contribuição. É grande o número de pessoas que não usa vasos sanitários estranhos e a comunidade vasófoba não para de crescer. O ato repulsivo, que de início era uma simples postergação do momento em que a pessoa deveria evacuar, vai se tornando habitual e gradativamente assumindo ares de doença, agora com uma infinidade de nomes, causas e formas de tratamento.


Essas considerações servem também para alertar as escolas sobre a necessidade de manter um estoque razoável de absorventes íntimos. A mulher foi buscar, na última metade do século XX, o que lhe foi negado na primeira. Em várias instituições de ensino o número de mulheres já é maior do que o de homens. Assim sendo, devemos considerar também que aumentou sensivelmente a probabilidade de que várias primeiras menstruações aconteçam dentro da escola que deve acolher a nossa nova mulher com todo o aconchego das menarcas tribais quando do sublime e indescritível milagre do aparecimento de uma nova produtora de criaturas. Ademais, não fica muito bem para a escola deixar que a menina vá declinar o seu desapontamento no portão da instituição e pedir o seu absorvente primeiro ao pipoqueiro que, cotidianamente, ocupa um pedaço da calçada externa, bem em frente ao portão principal.



Aqui, há sete anos, existia um mictório

Para além das questões factuais, poderíamos elencar uma série de procedimentos capazes de solucionar o problema, mas os mais eficazes ainda são as perenes formas de conscientização. No entanto, em vários projetos de escola, precisamos de soluções mais duras. Chegamos, em uma delas, a criar um plantão de banheiro e a organizar uma escala semanal de lavagem dos sanitários, pelos alunos, com a anuência dos pais. O que não podemos é retirar os rolos de papel sanitário como uma represália ao proposital ato do entupimento. Isto dá ao incauto (a) o prazer que ele (a) precisava para seguir cometendo atos de vandalismo na solidão das casinhas sanitárias. Para as meninas, somente o ato de dar a elas a oportunidade de decorar o seu próprio banheiro com flores, sabonetes, toalheiros e espelhos, faz com se sintam mais responsáveis pela manutenção dos novos objetos. Da mesma forma, a ampliação do número de mictórios, a instalação de chuveiros e de vasos sanitários, e a colocação de novos espelhos, podem funcionar como uma premiação pelo bom comportamento e pelo zelo com os materiais de higiene postos à disposição de todos. É para isso e para outras pequenas, mas importantes coisas, que o governo resolveu mandar o dinheiro direto para escolas.

Mais uma vez é preciso considerar que o meu costume de escrever sempre sobre os problemas da escola pública deve-se à facilidade de dissertar sobre algo que para mim é muito pautável. Sempre fui professor de escola pública de ensino fundamental e médio. Nem a curta carreira universitária afastou-me da meninada que, ainda em minha adolescência, escolhi para ensinar e que ainda hoje funciona como principal fonte de inspiração das coisas que ao longo desses trinta anos venho escrevendo. Já a escola particular, pode até cometer falhas como as inúmeras citadas neste artigo, mas as cobranças dos pais pelo zelo com os seus rebentos, por óbvias razões, é um pouco maior: Estou pagando para que o meu filho seja bem tratado!

O que está implícito nesta forma equivocada de educar é a procura por caminhos menos tortuosos. É muito mais simples desaparecer com os objetos que dão trabalho ao corpo profissional da escola. Suprimem-se as laranjas porque as crianças jogam as cascas umas nas outras. Suprimem-se as tintas pela lambança que fazem sobre as mesas. Suprimem-se os instrumentos musicais porque eles são barulhentos demais. Suprimem-se os brinquedos porque, com eles à vista, os alunos não pensam em outra coisa. Mais recentemente começaram a colocar cadeados nos balanços dos playgrounds infantis e a deitar nos armários com chaves, as cordas para pular que a molecada usa para queimar as energias consumidas na hora do recreio. Ainda assim trata-se de um ato que não pode ser atribuído somente às direções escolares. Trata-se da prática que emerge de uma visão coletiva e que, na maioria das vezes, acontece com a concordância dos próprios pais. Algumas formas causam menos estragos; outras, como a retirada do papel higiênico do alcance das crianças, seguem produzindo danos irreversíveis aos corpos físicos e psíquicos da criançada que ocupa os bancos da escola pública brasileira. Esta não é uma questão de fácil solução, mas ainda há tempo para mudar e o PDDE foi criado para este fim.





A Rosa, o Metalúrgico e os Marinheiros

Rosa Maria Silva de Souza e Luiz Inácio Lula da Silva tiveram trajetórias de vida bastante semelhantes. Rosa e Lula nasceram pobres na década de 1940, quando o Brasil começava a colher os frutos de sua tardia industrialização e a construir o cânion da desigualdade que até hoje nos envergonha pela distância entre as suas margens e pela profundidade tenebrosa responsável pelos milhares de miseráveis que, à espera da Copa do Mundo, ainda dormem pelas calçadas nas portas dos Bancos, representantes diretos do capitalismo internacional.

Filha e filho de mães lutadoras e solitárias, tudo foi muito difícil para Rosa e Lula, até o dia em que ambos, ainda muito jovens, conquistaram o seu primeiro emprego decente. Lula em uma metalúrgica, Rosa em um posto de atendimento de saúde do Ministério do Exército. Lula queria mesmo ser metalúrgico, Rosa queria ser professora e estudava para isso. Lula ainda não compreendia muito bem essa questão de luta de classes, mas como era bom orador acabou tornando-se liderança de uma categoria que via crescer a sua importância no cenário nacional. Enquanto isso, em plena ditadura militar, Rosa, além do trabalho e da faculdade, militava, junto ao seu companheiro de vida e afeto, no PCdoB, um dos partidos de resistência à sangrenta ditadura que se espalhava por toda a América Latina.

Quando Lula foi preso, com o mundo todo sabendo de sua prisão por conta da militância nas greves, Rosa já tinha sido arrancada duas vezes de seus postos de trabalho para o cárcere clandestino muito comum nos anos de chumbo. Se tudo foi muito ruim para as figuras públicas, podemos imaginar o que é estar em uma cadeia sem que ninguém saiba de nosso paradeiro. Ademais, não temos informação de que Lula tenha sido torturado como foram aqueles que, como Rosa, caíram nos quartéis do exército ou nas dependências do Doi-Codi, os espaços escolhidos pela ditadura para os espancamentos e todas as violações do estado de direito que se tem notícia. Estavam permanentemente ao lado do metalúrgico altas representatividades da Igreja e nós em plena vigília para não deixar que nada acontecesse à interessante liderança que surgia.

Rosa, por conta dos olhares obtusos dos poderes, jamais teve uma remuneração condigna em suas profissões. Quando tudo passou, já formada em história, escolheu a educação como seu instrumento de luta e trabalho, objetivando a realização de um sonho frustrado pela luta política. Ainda assim, juntamente com Lula e uma legião de militantes sindicais, fundaram o PT, ele na cúpula e ela nas bases. Cessam por aí, todas as semelhanças referentes às trajetórias de vida desses interessantes militantes. Lula transformou-se no Presidente eterno. Primeiro do sindicato, depois do Partido dos Trabalhadores e finalmente da República com salários pagos pelo partido, pelo sindicato e pela nação. Rosa, sempre mal remunerada, como uma convicta professora de rede pública, seguiu sofrendo e apostando na redenção da Escola que serve aos menos privilegiados.

Nessa época, Lula já sonhava em ser presidente da república e nós em fazer dele o nosso presidente. Rosa vivia nas ruas ajudando a construir um sonho que, quando foi realizado, já não tinha as matizes do poder popular com o qual sonhamos por três longas décadas. Lula já era outro, já pensava em um tipo de democracia diferente da nossa e a palavra socialismo há muito tinha saído de seu vocabulário, ainda assim ficamos felizes por sua chegada ao poder. Rosa, a cada dia, ficava mais distante de seu companheiro famoso e começava a dar sinais de que as pancadas da ditadura, com muita rapidez, se transformavam em doenças crônicas: a asma, a osteoporose, a síndrome de pânico e as demências chegaram muito cedo. Lula comemorava a sua segunda chegada ao poder, Rosa a amargura de uma aposentadoria precoce e compulsória pela incapacidade de trabalhar quando a maioria da população ainda sonha com a produtividade que nos felicita e nos enche de prazer.

Seguindo por caminhos cada vez mais divergentes, Lula foi um dos primeiros agraciados pela aposentadoria dos anistiados, uma justa recompensa construída no Governo de Fernando Henrique Cardoso para reparar os danos sofridos pelos perseguidos pelos governos militares pós-64. Rosa, ainda hoje, luta para recebê-la. Com a aposentadoria de Presidente da República, Luiz Inácio recebe agora um razoável salário que vai lhe garantir uma vida tranqüila enquanto por aqui estiver. Rosa sofre com as dificuldades para pagamento do plano de saúde, remédios caríssimos, alimentação precária, pagamento de aluguel e a desconfiança de que, de nada lhe servirá a reparação a que tem direito pelas inúmeras perdas que sofreu, fruto de sua luta pelo advento de uma sociedade mais justa.

Mais recentemente, soubemos que a Comissão de Anistia, no afã de apressar o julgamento dos processos, criou blocos temáticos para várias categorias, blocos partidários ou profissões de tal forma que alguns partidos puderam fazer com que seus militantes fossem agraciados em solenidades por todo o Brasil. Marinheiros, militantes sindicais, bombeiros e mais uma série de ativistas, reunidos por uma afinidade qualquer, também acabaram passando na frente de milhares de militantes isolados que morrem à míngua à espera do que lhe é justo e devido. Nesse aparente arroubo de justiça, foram contemplados 2500 marinheiros que nada tinham a ver com a luta pelas liberdades e que levaram inúmeros companheiros à morte. Em tese, e para não ser leviano, pelo menos uma parte deles dona dos cassetetes que enchiam de porrada os militantes que caiam nos paredões assassinos do CENIMAR.

Como até eles foram beneficiados pensamos: é possível que agora a Comissão de Anistia vá criar um bloco temático de professores. Nada disso aconteceu. Nessa época também pensávamos que pelo menos os professores torturados pudessem se constituir em um bloco e que pelo menos dessa vez nós levássemos alguma vantagem. Ledo engano! Mais uma vez ficamos esquecidos. Nenhum bloco temático foi criado para atenuar as injustiças contra os que morreram ou vão morrer pensando no surgimento de uma escola pública de qualidade.

O que a mim, e a uma boa parcela dos que sabem dos fatos, deixa perplexo é que os últimos presidentes de alguma forma vivenciaram as dores do cárcere ou do exílio. Dilma Roussef, repetidas vezes, falou sobre as torturas que sofreu. Com a sua chegada ao poder passamos a achar que ela ia dizer também aos gritos: se não conseguimos punir os que torturaram em nome do estado, pelo menos, quando este confessar os seus crimes, pague-se o mais urgente possível.

Para que todos saibam do que eu estou falando, os processos de reparação somente são abertos quando a ABIN que substituiu o SNI assume a prisão através de um diploma funesto cheio de marcas d’água dizendo: EU PRENDI, EU MATEI, EU TORTUREI, EU ARRANQUEI DE SUAS MÃOS OS EMPREGOS CONQUISTADOS EM LÍCITOS CONCURSOS, EU OS DEIXEI MORRER À MINGUA. Depois disso, o próprio estado mandar proceder a uma série de averiguações que, se fossem feitas para todos, se teria percebido que, dentre os 2500 marinheiros anistiados e que, por ora, gozam de privilégios indevidos, estavam torturadores, mentirosos e aproveitadores de toda a sorte. O caso de Rosa é ainda mais emblemático pelo fato de ela ter sido retirada, por duas vezes, debaixo de porrada de dentro de duas repartições públicas: na primeira prisão, de seu posto de trabalho em hospital do Ministério do Exército em Benfica e na segunda, de um hospital do INPS no Centro do Rio de Janeiro. Essas informações constam de seus documentos trabalhistas e do diploma fornecido pelo estado. Ainda assim, põe-se a Comissão de Anistia a caminhar pelos buracos destruídos e inexistentes para investigar o óbvio.

Rosa, resignada, e já não compreendendo muito bem o que se passa com este país, espera que a nova presidenta pense em uma forma de agilizar o andamento dos processos também para aqueles que não pertencem a nenhuma agremiação, nem tiveram a sorte se tornar adorado como o metalúrgico presidente. É bom lembrar que boa parte dessas pessoas não tem sequer mais forças para reivindicar, estão velhos e cansados de lutar por uma pátria que se queria, e que ainda queremos vê-la, justa, fraterna e solidária. A omissão do metalúrgico pode agora ser reparada pela presidente que sofreu as dores da perseguição, da tortura e do desterro. Ainda há tempo!