sábado, 23 de abril de 2011

DOM QUIXOTE PROIBIDO






A matéria do jornal Extra, tratando da confusão sobre leitura imprópria na Escola Municipal Benedito Ottoni, reveste-se de interesse, mas conforta-me porque sei que este incidente não tem a mínima chance de transformar-se em epidemia. Imaginem se, em todas as escolas brasileiras de ensino fundamental, pudesse ser colocado em permanente vigília um professor-leitor-censor a dizer para as crianças que determinado tipo de leitura não se adéqua à sua frágil compreensão. O movimento de repreensão à professora, feito pela mãe, e que de alguma forma recebeu o apoio do delegado, não terá repercussão alguma no seio de uma sociedade, em cuja cesta de preocupações não sobra espaço para os palavrões falados ou escritos e que passeiam docemente pelas bocas da meninada do ensino fundamental.

Para o bem ou para o mal, os palavrões que ruborizavam as faces da infância não encabulam mais a ninguém. Estamos na era da pornografia aberta, um tempo novo que exige dos pais mais atenção para o comportamento de seus filhos, mas foi a própria sociedade que exigiu o fim de qualquer tipo de censura. Para cada produto que chega à sociedade de idade mais tenra existe uma regulamentação seguindo a bula do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas nada do que trazem os livros merece vigilância. Se o menino interessou-se pela leitura podem ficar tranqüilos os seus pais: ele tem plena capacidade de entender (se lhe fosse melhor explicado) o significado do texto literário considerado chulo por sua mãe. O que a mim parece, pelo menos é o deixa entrever a fala do aluno, é que a mãe ficou mais chocada do que o filho e como não tinha palavras para explicar como se realiza a relação sexual entre dois homens, preferiu recorrer ao delegado que também não é preparado para questões dessa natureza.

Nos últimos dez anos, o Governo Federal vem abarrotando as bibliotecas escolares com livros paradidáticos cheios de belos palavrões. Estão hoje na biblioteca das escolas: Chico Buarque com sua língua solta, Vinícius com seus poemas eróticos, Gilberto Freire com suas histórias e desenhos de zoofilia, Jorge Amado com suas histórias de amor, sexo e traição, tudo, porém, muito distante daquilo que se pudesse chamar de pornografia.

A Prefeitura do Rio faz uma censura prévia, mas os livros que ela considera adequados apenas para leitura de adultos, ficam rolando pelas bibliotecas escolares e para nossa felicidade, de vez em quando tem menino lendo O Leite Derramado de Buarque de Holanda.
Não li o livro promotor do furdunço, mas ele faz parte de uma série de releituras encomendadas pela Rocco a vários autores. O Dom Quixote hodierno de Paula Mastroberti foi o primeiro a levar pancadas e isto pode impedir de que outros livros da interessante coleção chegue às escolas, isto sim um prejuízo imenso para alunos e professores e toda a sociedade letrada. E para aqueles que não vivem o cotidiano das escolas públicas brasileiras ou escolas particulares não confessionais, é preciso dizer que nenhum livro escrito pelos autores acima citados possui a repertório de palavrões ditos pelas crianças de uma turma de sexto ano.

Este fenômeno ainda é objeto de estudo, mas trata-se do grupamento escolar que mais fala palavrões e desafia o corpo docente. É possível que a sede de conhecimento com a chegada em uma nova escola ou a interação com meninos e meninas de idade mais avançada, expliquem uma parte desse desejo de que, aos gritos ou aos pés de orelha, sejam proferidas arrepiantes palavras que provavelmente não estão contidas no livro juvenil de Paula Mastroberti. Cabe a pais e professores orientá-los, não com cinismo da sociedade pequeno-burguesa, mas com a sinceridade que lhes farão perceber que algumas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar. Quanto aos livros, qualquer tipo de censura viola o acordo democrático feito pela sociedade brasileira depois de 25 anos de ditadura militar. Não é a primeira vez que isto acontece, mas a mãe do menino curioso, o delegado e os profissionais que falam em linguagem inadequada, precisam compreender que vivemos outro momento no qual a palavra censura está sempre fora de moda e lugar.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

ESCOLA ABERTA NÃO É SINÔNIMO DE ESCOLA ABANDONADA



No auge das emoções, por conta da tragédia de Realengo, o prefeito Eduardo Paes, diante de vários repórteres amontoados naquele simulacro de quadra de esportes, disse que a escola, apesar de tudo, continuaria aberta. Naquele mesmo momento, possivelmente sem dar-se conta, Paes fazia uso de um conceito que foi criado pelos setores progressistas que militam na educação e que, pouco a pouco, também por conta dos vícios de nossa democracia juvenil, acabou incorporando os adjetivos representativos dos desleixos das esferas de poder com o equipamento público.

O certo é que, tempos depois, passamos a lutar para que todos os serviços, e não somente a escola, devessem permanecer abertos às críticas, à escolha por via democrática de seus dirigentes e ao atendimento da população: os hospitais, os postos de saúde de dia e de noite e nos fins de semana, o judiciário em momentos acessíveis a toda a população, a defesa civil, os gabinetes do Prefeito e do Governador, bem como todas as secretarias que de alguma forma servem ao povo, precisavam dia e noite estar abertas para o atendimento aos que pagam religiosamente os seus impostos, mas o aberta, como adjetivo, sobrou apenas para a escola.

Somente a escola pública permaneceu aberta das 6h, em alguns casos por conta do ensino noturno, até as 23h; e também por conta de alguns projetos educativos ou de lazer, em algumas unidades, aos sábados, domingos e feriados. Para que isso fosse possível, o governo federal disponibilizou uma verba considerável através de seus programas para atendimento aos menos favorecidos. É claro que os defensores do governo municipal vão dizer que os hospitais estão abertos dia e noite. Sim, mas com uma qualidade de atendimento muito longe daquilo que a população exige e reclama. A outra reivindicação ligada ao campo da saúde – postos abertos 24 horas – perdeu força quando a prefeitura, aproveitando-se da bandeira política de Sérgio Cabral, jogou toda a responsabilidade do atendimento primário para os espaços de campanha superlotados (UPAs) e sem as especialidades médicas necessárias para um atendimento de emergência digno, para aqueles que mais necessitam dos serviços públicos.

Voltando à questão da escola pública da capital cultural do país, é preciso dizer que a sua estrutura de pessoal para atendimento a pais e alunos deixa muito a desejar. E é bom que a discussão seja feita a partir do estudo de uma escola que pode ser considerada como um dos exemplares de maior visibilidade na paisagem suburbana carioca, quando o tema é qualidade do prédio escolar. Evitei usar a palavra arquitetura pela indecência estética de suas linhas e pelo desconforto que escolas desse tipo causam a alunos e professores. Prédios iguais ao da Escola Municipal Tasso da Silveira, o local da tragédia que arrebentou a alma já dolorida dos cariocas e do povo brasileiro de uma maneira geral, não deveriam mais ser utilizados como escolas.
As crianças acham bonito aquele caixote acinzentado porque criança tem a alma generosa, mas o prédio é feio e hostil em tudo. Em suas formas, em suas cores, em seu tratamento acústico, em seus materiais de acabamento, em suas quadras de esportes, em seus locais de asseio e alimentação, em seus locais de lazer e reuniões hoje quase todos transformados em acaloradas salas de aulas no último piso, que, pelo projeto original, deveria ser um auditório, em suas calçadas ásperas, na inexistência de tratamento paisagístico, no derrubamento das árvores fruto da ignorância de muitos diretores e da permissividade da prefeitura que não pune os devastadores.

Nada se salva em um projeto sem pai (ou cujo pai tem vergonha de aparecer) feito nos duros tempos da ditadura. Os governos precisavam erguer, às pressas, um monte de escolas para o atendimento da demanda surgida com a elasticidade do ensino fundamental pretendida pela lei 5692. Exemplares piores do que as escolas-caixote de Negrão de Lima e Faria Lima, somente temos conhecimento das escolas-de-papelão de Carlos Lacerda, montadas poucos anos antes, para as ambições proselitistas do fanfarrão udenista.

A essa altura, o leitor deve estar perguntando: mas o que tem a ver a arquitetura do prédio com a tragédia de Realengo. Isoladamente, nada. Escrevi este artigo para dizer que são muitas coisas ruins juntas e que desse coletivo de erros não podem sair muitas coisas interessantes, senão vejamos: escola aberta, não é sinônimo de escola com portões escancarados, sem ninguém para interrogar aos estranhos que entram, aonde desejam ir. O termo escola aberta foi criado para definir uma posição ideológica na qual os pais teriam acesso total à vida escolar de seus filhos. Assim sendo, escola participativa seria o seu melhor sinônimo. No entanto, ao perder-se o significado político do termo muita gente desqualificada para funções do magistério achou também que poderia fazer parte dessa fragilizada estrutura dando a impressão, especialmente para as esferas do poder, de que tudo na escola caminhava muito bem.

Várias fórmulas que tentavam desqualificar o trabalho dos profissionais da educação foram testadas. Chegou-se, mais recentemente, a pensar em colocar estagiários de engenharia para dar aulas de matemática visando à melhoria do rendimento dos alunos. Um desses grupos, apoiado pela Rede Globo de Televisão com o nome de Amigos da Escola, contribuiu para que a prefeitura fizesse um enxugamento na máquina diretiva, pouco visto, sequer, na maioria dos municípios empobrecidos do Estado do Rio de janeiro.

Apenas à guisa de exemplo, a Escola Tasso da Silveira tem o mesmo número de salas e o mesmo número aproximado de alunos (1000 em dois turnos ou se quisermos considerar os três turnos, 1500) da escola em que trabalho, no Município de Angra dos Reis. A minha escola tem um corpo administrativo que conta com 4 diretores, 3 ou 4 pedagogos, 4 ou 5 auxiliares de secretaria, 2 ou 3 inspetores, 1 guarda patrimonial, 2 ou 3 responsáveis pela sala de leitura, 5 ou 6 serventes e uma cozinha terceirizada que funciona de acordo com as diretrizes contratuais. E, ainda assim, a quantidade de profissionais é objeto de constantes reclamações por parte da comunidade escolar. Já a Escola Municipal Tasso da Silveira e as demais similares da rede carioca, se a memória a mim não trai, pois já me afastei da rede do Rio há muito tempo, dispõe, para o mesmo número de alunos, do seguinte corpo funcional: 1 diretor geral, 1 coordenador pedagógico que não precisa de formação acadêmica, 4 ou 5 auxiliares de secretaria, 1 ou 2 responsáveis pela sala de leitura, o pessoal da merenda, terceirizado ou não e 2 ou 3 serventes.

Fazendo as contas, deixando-se de fora o pessoal da cozinha e tomando-se sempre os números maiores, temos em Angra dos Reis, para escola até 1500 alunos, uma equipe com 22 membros. No município do Rio de Janeiro, seguindo os mesmo princípios, 11. Para que sejamos bastante generosos, atualmente, o número de funcionários que trabalha em cada uma dessas escolas, no Rio de Janeiro, é pelo menos a metade dos que trabalham em uma escola do mesmo porte em Angra dos Reis. Agora procurem comparar a relação alunos/funcionários de uma escola pública do Rio de Janeiro com a estrutura administrativa de um colégio da classe dominante similar ao São Bento ou ao Santo Inácio e veremos como é fácil compreender porque as tragédias ocorrem com mais freqüência nas instituições públicas.

Para além dessas discussões, é preciso ainda que se diga que quando se construiu a premissa de que a escola fosse aberta à comunidade ninguém pensou que ela fosse se transformar no mercado persa que é nos dias de hoje. Todo mundo acha que deve resolver os seus problemas financeiros nas salas-dos-professores e nas salas-dos-alunos-empobrecidos. É como se todos pensassem que daquelas carteiras de profissionais mal pagos e dos bolsos de nossos alunos empobrecidos sobrassem sempre alguns trocados. E são tantos os que vão vender quinquilharias nas escolas que aos poucos vamos perdendo a capacidade de nos indignar. Entram os vendedores de livros, de cursos de inglês, de cama e mesa, de roupas íntimas, etc. Todos muitos parecidos com o matador de realengo, bem vestidos (as), com uma bolsa de cheia de produtos que podem ser bolas ou balas, para chupar ou para matar. Uma verdadeira feirinha de Itaipava se forma nas salas dos professores sempre que se aproxima o final do mês, apesar das inúmeras portarias que foram publicadas proibindo o comércio de quaisquer tipos de produtos. Mas essa não é a escola aberta que queríamos construir quando começaram a soprar os primeiros ares da democracia. Está perdoado o prefeito que naquela época, devido a sua tenra idade, mal sabia o que era essa coisa chamada escola ou o significado conceitual da palavra aberta criado nos meandros da pedagogia. Hoje talvez ele já saiba que uma escola aberta não precisa viver com o seu portão escancarado!

Concordamos com todos aqueles que acham que a escola não deva se transformar em uma ilha de medos. Sabemos que os objetivos de uma escola não são os mesmos de um presídio. No entanto, com os vazios que temos hoje, precisamos redobrar os cuidados. Não podemos deixar que pais e mães entrem na escola para agredir os seus próprios filhos. Não podemos deixar que pais, mães e pessoas distantes entrem na escola para agredir alunos e professores como vem ocorrendo com freqüência no Rio de Janeiro, em Angra dos Reis ou qualquer outro município. Não se pode permitir que as tensões entre alunos e professores cheguem às vias-de-fato e aos crimes de morte, como os que, ora, vêm ocorrendo em várias escolas brasileiras.

Concordamos que a escola deva ser uma instituição aberta, mas ela mesma deve zelar pela segurança de seus membros interrogando aos que a ela se dirigem para a prática de crimes ou não. É necessário que alguém tenha a função de perguntar aos estranhos o que fazem ali, o que desejam, aonde vão, com quem realmente desejam falar. O problema é que nem sempre a escola tem pessoal disponível para isso e, quando menos esperamos, pessoas que nada têm a ver com o cotidiano pedagógico, estão nas portas de nossas salas de aulas, com as tais bolsas que servem para inumeráveis fins, inclusive, para os crimes que se desejam cometer. As leis estão escritas. Basta cumpri-las!